Um dia desses me peguei pensando: eu não sou uma pessoa de hobbies. Sempre que alguém pergunta “qual o seu hobby?” eu me pego confusa na resposta. Não sei se é porque minha ideia de ter um hobby parece estar muito próxima do colecionismo ou mesmo porque eu nunca parei para pensar melhor sobre as atividades que me dão mais prazer.
Existem muitas coisas que eu gosto de fazer, mas não percebo nelas nenhum ritual ou um grande investimento de tempo e energia da minha parte. Eu apenas gosto e faço. Gosto de escrever, gosto de uma leitura interessante, gosto de tomar um bom vinho ou de um café de torra média, onde eu possa sentir o amargor e a doçura harmonicamente embaralhados.
Me divirto cuidando dos meus cães e intuindo sobre a personalidade de cada um. Ouvir músicas e fotografar é um chamamento aos sentidos da audição e da visão que nutrem vigorosamente meu sistema de recompensa cerebral. Curiosamente, há alguns meses, anos talvez, o modesto jardim de minha casa passou a ter uma nova dimensão para mim.
Comecei devagar, plantando frutíferas. Laranja, jabuticaba, goiaba, amora, pitanga e, claro, mexerica caipira, aquela fedorenta mesmo, que estimula as parótidas com intensidade de arrepios. A ideia de que um dia eu poderei caminhar descalço pelo pomar da minha própria casa invade o meu coração de alegria e de memórias da infância a cada passeio que eu faço por lá.
Cada fruta colhida do pé de uma árvore plantada por mim me traz um sentimento de gratidão. Não sei quem é mais agradecido. Penso que sou eu, pela natureza que me presenteia, mas interrogo se não é a natureza, que me agradece, com seu fruto, o cuidado e paciência de vê-la crescer e se mostrar.
Do pomar veio a horta. Da horta, expressão mais delicada da jardinagem, veio o aprendizado de que existe um tempo para o conhecimento e um tempo para a ação. A tarefa pode durar alguns dias, como “afagar a terra, conhecer os desejos da terra. Cio da terra, propícia estação. E fecundar o chão”.
Toda terra merece ser semeada e vigiada. E a travessia que se faz no tempo, se faz também na melodia: muda que cresce, flor que floresce e fruto que reconhece. A vida, qualquer vida, tem seu tempo de crescimento. A jardinagem instrui para o cuidado, que pode ser longo, convocar a paciência e a temperança. Por vezes, a resposta não vem como o esperado. É preciso se dedicar a maiores cuidados, acompanhar a folha, a flor, o fruto que nasce e se desenvolve a cada sol, a cada chuva.
E a cada colheita a gente olha pra vida. Olha para o filho, para os pais, para o companheiro. Vê que, em alguns momentos, pode ter faltado aquela necessária paciência e temperança para se colher os melhores frutos. Percebe então que jardinar e amar é cuidar. E que cuidar é sempre um ato de esperança. É jardinar o amor.